Dia a Dia, Lado a Lado

Tulipa Ruiz e Marcelo Jeneci são artistas contemporâneos, com propostas tão diferentes quanto complementares. Ela tem uma voz que trafega entre a doçura e a potência. Também assina a arte de seu disco de estreia. Ele canta de modo suave, além de ser um sanfoneiro de mão cheia. Tulipa faz deliciosas crônicas musicais sobre encontros após uma tarde de chopes na rua Augusta. Jeneci é afeito a letras para se viver um grande amor.

"Dia a Dia, Lado a Lado" foi composta pelos dois - e por Gustavo Ruiz, guitarrista e irmão de Tulipa -  há oito anos, nunca foi gravada, embora esteja disponível na rede. A música foi o melhor pretexto para uma dobradinha no dia 8 de junho, sábado, no Cine Joia. Com o repertório costurado por canções como "Felicidade", "Pra Sonhar", " O Melhor da Vida", de Marcelo Jeneci, e "Só sei Dançar com Você", "É" e "Proporcional",  de Tulipa Ruiz, os duetos são pontuados pela sintonia, espontaneidade e uma banda extremamente competente.

Impressionante como a voz dela me encanta, como se fosse a primeira vez que eu a tivesse visto ao vivo, tanto quanto a fluidez dele com a sanfona combinando baião com os solos de guitarra, por exemplo. Já tive o prazer de ouvir Jeneci acompanhando os sinos de uma igreja na hora da "Ave Maria", na Praça de Santa Tereza, quando um concerto que fazia para o Natura Musical precisou dar uma pausa para missa (coisas de Minas Gerais). São artistas múltiplos, poéticos e com muita personalidade.

Enquanto Tulipa, mais extrovertida, conta sobre sua viagem pela Colômbia e brinca de falar portunhol apresentando os músicos,  Jeneci, mais tímido, parece conversar apenas com sorrisos num primeiro momento. Mas à medida que o show avança até um passinho arrisca. A dupla retribui todo o carinho do público, que canta todas as faixas. Tulipa sempre dá um ar de descontração aos gritos de "linda" e "maravilhosa" que surgem da plateia entre uma e outra pausa. No fim do show, Jeneci literalmente "vai para a galera", circula pelo Cine Joia, permitindo que vozes emocionadas e desafinadas dêem o tom do espetáculo. Afinal, esses encontros únicos são feitos dessas muitas vozes: a do outro e a de nós mesmos.

Na literatura há obras que se tornaram clássicas, como as cartas trocadas entre escritores: Rilke, Clarice Lispector, Fernando Sabino, Pablo Neruda, Vinicius de Moraes, Caio Fernando Abreu e tantos outros relatavam sentimentos alinhavados por amizades que atravessaram distâncias e o tempo. O encontro de Tulipa Ruiz e Marcelo Jeneci na composição e no palco dá um alento similar àquele de se encerrar um capítulo desses livros de cartas com sorriso e um punhado esperança. Celebrar a amizade, as afinidades e as particularidades de uma maneira tão generosa é resistir. Resistir a tempos duros, de indelicadezas e golpes. Fazer parte, de algum modo, daquela cumplicidade dos dois artistas é uma preciosidade.




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