O amigo do amigo



Sempre tive uma dificuldade imensa com matemática. Ainda por cima, sou da geração decoreba. Aprendi a somar, subtrair, dividir e multiplicar com cartões coloridos feitos em cartolina. Eu só precisava memorizar aquilo para me livrar, para estudar coisas mais interessantes.

Meu tio Marcelo, uma vez, num exercício imenso de paciência quis me explicar equações de um modo subjetivo. Para que eu entendesse as regras do sinal, exemplificou: o amigo do meu amigo é meu amigo, o inimigo do meu inimigo é meu amigo, assim por diante. Eu fazia provas repetindo isso. Algo sempre dava errado e quando vinha a prova corrigida, meu alívio era estar na média.

Outro dia, fiquei pensando no amigo do amigo além do conceito que meu tio tentou me ensinar. Há vários amigos de amigos que não suporto, alguns até já chamei de amigos. Tem pessoas que meus amigos detestam e que, eventualmente, são meus amigos. Já fiz uma festa, aliás, em que pedi para ninguém fotografar porque tive que deixar de convidar uma amiga para convidar outra.

A gente vive andando na corda bamba com essa fragilidade chamada amizade. Essa fragilidade que nos dá e também nos tira chão, que quando se tem é loteria e quando se perde é abismo. Até hoje sei de cor o telefone celular da minha melhor amiga, que partiu muito cedo em 2010. Nunca existirá na minha vida alguém como ela. Para nossa sorte, não compreendemos isso depois da perda. Foi justamente no dia em que nos tornamos amigas.

Ao longo do tempo perderemos amigos, não somente para a morte. Acredito que algumas relações sejam feitas para acabar e deixem uma saudade boa, como a daquela amiga do colégio com quem se dividiu tanta coisa e, depois de cada uma seguir uma carreira, se mudar de cidade tenha ficado a beleza das memórias.

Perdemos amigos que de fato nunca foram, que não olham para amizade e sim para seus umbigos e seus anseios de poder. Perdemos amigos por bobagens, porque estamos mais impacientes com os defeitos do outro e de nós mesmos. Queremos ser o profissional como pregam as cartilhas do LinkedIn, a pessoa good vibes dos textos de bem-estar que pipocam no Facebook assinadas por quem tem um estilo de vida completamente diferente do nosso, às vezes genuinamente desapegado.

Seremos profissionais com falhas, nos estressaremos com os chefes, com os colegas de trabalho e não vamos seguir a etiqueta corporativa à risca. Não vamos levantar à cinco para correr, nem meditar ou comer orgânicos. Nem sempre vamos mentalizar positivamente que tudo vai melhorar e cultivar a resiliência em meio ao trânsito parado ou à constatação de que o dinheiro na conta não vai pagar os boletos.

Ao rolar a lista de contatos da agenda do telefone são poucos os que entendem sem julgar, que acolhem e também dão uns safanões porque são e vivem as imperfeições. São esses poucos como eu, sinalizados com uma estrelinha amarela, na lista de favoritos, sem tempo. Eventualmente, vão adiar os encontros porque não podem e, de vez em quando, porque não estão com vontade mesmo.

Está tudo bem, mas também é um pouco melancólico.

Vamos acionando os recursos virtuais para sorrir com a foto no Carnaval de cinco anos atrás, no registro daquela viagem em que estávamos com a pele mais brilhante e os cabelos mais curtos. Vamos todos nós cuidando de pequenas e grandes ausências, com mensagens no Whatsapp e perceber que um ano se passou e não nos vimos...

Seguimos, então, aperfeiçoando o currículo, colocando o despertador na soneca, evitando o congelado no supermercado, tentando se abrir para o amigo do amigo que achamos um pouco pedante na mesa do bar.

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